"We were not ready for the poor"
Enquanto o tópico de racismo e segregação - ainda que tenso - é amplamente discutido no Alabama, o tópico de pobreza é quase que ignorado. Quando eu falo de pobreza nos Estados Unidos, todo mundo pensa que o pobre aqui é quase um milionário no Brasil. Big mistake. Sem-tetos são sem-tetos em qualquer lugar; famintos são a mesma coisa em Manaus e em Nova Iorque; drogados têm exatamente os mesmos problemas na Igreja Metodista do Alabama e na Fazenda Nova Esperança. Na verdade, enquanto eu entregava café-da-manhã na Igreja da Reconciliação, não fosse a língua, eu poderia jurar que eu estava na Fundação Allan Kardec. A principal diferença é que a quantidade de pobres aqui é infinitamente inferior a das grandes cidades brasileiras, o que gera o problema da invisibilidade: muitas pessoas nem estão cientes que existem pessoas sem-teto nas ruas, já que elas não são confrontadas por pedintes no sinal de trãnsito todo dia. Quanto a classe média, é claro que as coisas que eles desfrutam aqui são beeem melhores que as da nossa classe média. O Rev.Riggs explicou que a igreja nasceu para ser contra a segregação e receber gente de todas as raças, mas quando eles abriram as portas, foram surpreendidos por um grupo que reúne negros, brancos, amarelos e misturados: os pobres. "We were not ready for the poor", ele disse. As igrejas protestantes americanas são superacostumadas a receber famílias ricas e ele teve que se adaptar pra receber os pobres (afinal, a idéia da igreja era receber "todo" tipo de gente). Até hoje essa igreja recebe críticas por isso, dado que a doutrina protestante é basicamente Salvação Individual e eles têm bastante resistência em aceitar problemas sociais como algo que tem alguma coisa a ver com a vida deles.
"The government, the economy and the Klan had a symbiotic relationship"
Nesta igreja a KKK realizou um ataque terrorista famoso que resultou na morte de quatro meninas
Existem duas coisas extremamente marcantes em B'ham: a guerra pelos Direitos Civis e a história da indústria siderúrgica. Após a Guerra Civil, a galerinha do sul resolveu construir on Novo Sul através de uma rápida industrialização. Milhares de indústrias pesadas fugiram para o Alabama em busca da mão-de-obra barata dos brancos empobrecidos e quase escrava dos negros recém-libertados. O aço fez com que a cidade crescece do dia para a noite. Quando eu visitei o abrigo pros sem-teto, o Reverendo Riggs explicou que governo, economia e religião andavam de mãos dadas. As leis Jim Crow garantiam a segregação e os baixos salários para a indústria; a US Steel garantia o "milagre econômico" que legitimava o governo; e a Ku Klux Klan garantia a segurança, a moral e religião das elites. A KKK é uma organização terrorista cristã, branca e protestante, que tinha um Klan em quase todas as igrejas do sul dos Estados Unidos. Se você fosse branco e rico, era comunzão seu pai e todos os amigos dele lincharem negros na rua durante a noite. Para saber mais, corre na Superinteressante . Também recomendo o filme O Nascimento de uma Nação, que explica a importância do Klan para o renascimento do sul e tudo que eles são hoje. Pretty fucked up. O Civil Rights museum foi uma das coisas mais interessantes da viagem.
"Hey, guys, check it out. She is brazilian"
Uma das coisitas mais interessantes e engracadas da viagem pra mim era a reação que eu causava nas pessoas - especialmente naqueles velhinhos negros que passaram vinte anos na cadeia e estavam vendo essa pessoa que nao é branca e nem negra provavelmente pela primeira vez na vida. Todo santo dia eu tinha que explicar umas mil vezes como e o Brasil, como eu vim parar no Alabama, etc, etc. É altamente incomum eles entrarem em contato com alguem internacional, mas ninguém foi racista ou algo do tipo. O que ocorria era que geralmente eles chamavam os amigos para ouvir as historias do Brasil e adoravam tudo.
Up and out
No sul dos estados unidos o povo é bruto. Experimenta pedir alguma coisa pra alguém - certeza que a resposta vai ser "This ain't no Walmart". Estou contando isso porque um anônimo pediu pra que eu escrevesse as impressões sobre o impacto das eleições do Obama, e a primeira coisa que eu pensei foi "This ain't no CNN". Depois, pensando no assunto, eu percebi que B'ham foi a primeira cidade onde eu nao vi NADA sobre as eleições nas ruas. Nenhum panfletinho, nenhuma camiseta, nada. Pesquisando na internet eu descobri que apesar da grande comunidade negra na cidade, o obama perdeu de 61% no Alabama. Conversei com o reverendo a respeito e ele me explicou que um grande problema no Alabama é o que ele chama de "up and out". Trata-se de um fenômeno onde os negros da cidade, quando conseguem melhorar de vida, optam por sair de onde moram. Isso faz com que a comunidade em geral nunca melhore de condições e que os não-brancos nao tenham representatividade - sendo o voto não-obrigatório, a tendência é que as pessoas mais politizadas votem mais, e as pessoas mais politizadas são as que tem acesso a educação. Agindo como o bom estado republicano perdedor, o Alabama nao tem posters e nem muita reação as eleicoes 2008 e eu pelo menos não consegui capturar absolutamente nenhuma impressão acerca disso. Também nao procurei muito. This ain't no CNN.
Vistinha geral