Sunday, January 11, 2009

O trote

Vocabulário:

Greek Life: estilo de vida onde os universitários fazem parte de grupos chamados fraternities (para meninos) e sororities (para meninas). As frats e srats têm nomes baseados em letras gregas. Mais informações sobre essa parada altamente inteligente e cheia de utilidade pra humanidade em: Greek Life 101

De acordo com o artigo acima, pra quem teve preguiça de ler, "By far, the most popular reason for students join a fraternity or sorority is the social life. The emphasis each Greek organization puts on service and scholarship varies". Ou seja, eles fazem isso pelas festas, popularidade e às vezes, por algum networking. Claro que se você quer trabalhar no New York Times, ter sido uma Kappa provavelmente vai te atrapalhar, considerando que eles já sabem que você passou mais da metade da faculdade bebendo. No entanto, se você está interessado naquele cargo de chefia na empresa sulista do amigo do seu pai, ser presidente da SAE vai ajudar bastante.
Entrar em uma frat também não é a coisa mais barata do mundo. Os valores variam de acordo com a importância da fraternidade, mas giram em torno de 500 dólares a matrícula e uns 3000 por cada ano. Acho o máximo que elas pagam isso pra ter vida social.

Com o começo do Winter Term eu volto pra bolha de Lexington e começo as séries sobre a vida grega. Meu break foi fantástico, eu vi meus pais, brinquei na Disney, curti o calorzinho e voltei pra Lexington pronta para assistir às oito semanas mais esperadas na Washington And Lee: O pledgeship.
O pledgeship é tipos a iniciação dos calouros na vida grega, onde eles escolhem as fraternidades e sororities e vão passar oito semanas "bonding". De acordo com a Wikipedia;

"Human bonding refers to the development of a close, interpersonal relationship between family members or friends"

Então, vocês devem estar pensando em atividades superlúdicas pra criar esse ambiente sadio de amizade e felicidade. Try harder: Exemplinho da uma atividade feliz que deve servir pra integrar quem ta vomitando com quem tá recebendo o jato na cara

Essa é uma galeria de fotos que o fotógrafo C Taylor Crothers fez em 1992 a 1995 para a New York Times magazine. Ele não disse o nome do campus, mas o descreveu como "conservative, selective, well endowed Eastern university". Pescaram, pescaram? Poisé, muito medo de processo! Vale a pena navegar pela galeria toda e entender o que eu to assistindo da camarote acontecer aqui.

O pledgeship seria uma coisa fútil e de gente rica, mas que ninguém se importaria caso não envolvesse Hazing a.k.a TRAUMA FUDIDO! Claro que o fato de o sistema ser altamente exclusionário, elitista e muitas vezes racista e xenofóbico incomoda, mas eu to mais impressionada com os aspectos imediatos do Hazing. Sério, olhem a galeria. Pesadelos mil.

"Hazing can be defined as the ritualistic harassment, abuse, or persecution of individuals in a group. In “Wrongs of Passage: Fraternities, Sororities, Hazing, and Binge Drinking,” the author, Hank Nuwer, provides a list of the different techniques that are considered hazing—“burning, sexual favors, drugs, kidnapping, branding, bribes”—on American college campuses". (Tirei da Wikipedia)


Essa semana que passou foi o Rush. Todo dia eles visitavam as frats e srots (fraternidades para meninas)e passavam por jantares e avaliações até que finalmente no último dia eles sabem quem os rejeitou e quem os aceitou. O Rush das meninas é uma parada meio psicológica, onde elas cortam duas srots por noite e as srots cortam elas, baseadas em um julgamento onde a foto aparece na parede e todas começam a escrotear a garota. Ao entrar na casa de uma das srot, as meninas sao apalpadas pra caramba. Sabendo que os estados unidos não são big fan de demonstrações de afeto em público e que é meio difícil que 60 garotas sejam lésbicas, eu descobri que isso acontece porque elas querem sentir sua gordura corporal. Ao ser aceita na srat, as atividades das meninas se resumem a tentar alcançar a perfeição física e trocar presentinhos, coisa light. A dos meninos, infelizmente não. Hell weeks é como eles definem a vida que eles vão levar saindo de casa da fraternidade pra aula e da aula pra casa da fraternidade pra passar o dia fazendo atividades básicas como limpar, consertar, lavar o carro do veterano, dar caronas, arrumar as festas, vestir rosa toda quarta, correr pelado no frio, beber X latas de cerveja em dois minutos, beber sete garrafas de vodca em tres minutos, vomitar até encher um balde, vomitar na boca do colega, abrir a boca e engolir o vômito do veterano, mijar um no outro, enfiar o polegar no furebis do companheiros e não poder tirar enquanto voces andam em fila pela casa, se voce tirar, tem que chupar o dedo, beber mijo, criar um filhote de cachorro por dois meses e depois ter que matá-lo e comê-lo...enfim, as atividades lúdicas se espalham por esse espectrum de coisas bobas a coisas que já são um crime até mesmo na Coréia do Norte.

Exemplinho da tia Rach pra vocês sentirem a coisa:

Há alguns anos, uma fraternidade foi expulsa do campus porque eles:
a) colocaram os calouros de fraldas
b) deram feijão verde e laxante pra eles
c) os prenderam no porão
d) enxeram o porao com quinze centímetros de água
e) faziam perguntas sobre a fraternidade
f) se você errase, levava choque

extra - não precisa ser um gênio pra saber o que acontece quando uma pessoa leva um choque na água com outras pessoas, e o que acontece quando você tá cheio do laxante e feijão verde e leva um choque coletivo.
Resumo da ópera: um monte de macho misturado com merda e água num porão escuro sendo torturado com cargas elétricas.
Felizmente, a fraternidade foi expulsa do campus e hoje um veterano deles deu uma palestra sobre isso. Infelizmente, vários membros desta fraternidade hoje possuem cargos altíssimos e influentes e são o retrato to repulicano feliz com sua mulher virginal e seus filhos indo pra igreja no domingo.

Aqui é que você fala pra mim: EU NUNCA IA PARTICIPAR DE UMA BABAQUICE DESSAS! Foda-se o mundo que eu não me chamo Raimundo. Certo, sua lógica pode até funcionar em uma Universidade grande, onde menos de 10% das pessoas se prestam a fazer isso. Mas imagine você entrar numa faculdade no interior da Virgínia, altamente elitista e conservadora. Seus pais pagando fortunas pra você ser um prodígio, eles já foram de fraternidade. 80% do campus faz parte, os outros 20% são internacionais, gente feia e/ou nerds demais, ou seja, coisas que você, do alto do seu subconsciente racista e xenofóbico, abomina muito. Toda sua vida social gira em torno dessa decisão. Que opção você tem? Eu sei que pra gente é foda, mas fazendo um esforço muito grande dá pra entender e sentir pena de alguém que vive assim. Exceto pela parte em que eles ficam milionários e roubam nossos empregos mesmo sem merecerem.

Voltando...
Ontem foi a Tear Night, onde eles sabem finalmente quais fraternidades os aceitaram e ficam loucos. Eu ouvi várias pessoas dizendo que se é pra alguém morrer um dia na Washington And Lee, isso vai acontecer na Tear Night. (E já aconteceu, by the way).
A primeira foto da galeria foi exatamente o que eu ví ontem. Pesadelinhos.
Óia só!

A partir de amanhã começa oficialmente o pledgeship. Infelizmente eu não acredito que eles vão me deixar tirar fotos tão boas quanto essas, considerando-se que eu sou uma mulher independente hispânica. Mas vou observar tudo e tentar escrever o máximo possível. Sério, essa coisa tá me perturbando mentalmente muito. MUITO MESMO e escrever é sobreviver.

Termino aqui, bem triste e impressionada, com uma frase que um rusher disse:

"Hazing is very educational about human nature. The nicest, politest, most churchgoing people turn out to be so mean and angry. And cruel if you give them a little power.”

Mais sobre essa reportagem nesse trecho de livro que eu morri pra achar: Saiba Mais!

O que me consola é que tem aluno da Ufam pensando em processar a facul por causa de uma ovadinha e esmolinha na rua. E aqui, no país dos processos, por uma vida social de quatro anos, eles aceitam isso.

By the way, vejam as fotos! Esse fotógrafo tá o tipo de pessoa que eu queria ter sido.


Ah é, as fraternidades também fazem uma ou outra atividade filantrópica obrigatória na comunidade. Eu nunca ouço falar disso, mas sabe como é né? Medinho.